As Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e as Forças de Segurança

As Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e as Forças de Segurança.

Do texto das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (GOCEDN) enviado pelo Governo à Assembleia da República, relativamente à Segurança Interna, ressaltam algumas questões que têm gerado grande controvérsia, daí ter sentido a necessidade de as elencar e de lhes aditar alguns elementos que reputo de relevantes.

I

O documento agora publicado começa por esclarecer que o conceito de Segurança Nacional se traduz em “assegurar a soberania, a independência, a unidade, a integridade do território, a salvaguarda coletiva de pessoas, bens e valores, o desenvolvimento normal das tarefas do Estado, a liberdade de ação política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas” e que por isso quando se utilizada a expressão “Segurança e Defesa” a palavra “Segurança” deve ser entendida no sentido de “Segurança Nacional” e não de “Segurança Interna”.

Esta conceptualização tem vindo a ser sedimentada de há algum tempo a esta parte, exemplo disso são as noções apresentadas por Loureiro dos Santos e pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN).

Para Loureiro dos Santos, Segurança Nacional consiste “na capacidade de um Estado agir na esfera internacional com liberdade de ação suficiente, para manter o núcleo daquilo que o caracteriza como entidade com um destino próprio, definido pela vontade dos seus nacionais. Envolve a satisfação de dois objetivos – Bem‑estar e Segurança – que mutuamente se potenciam, considerados como objetivos básicos de qualquer unidade política”.
O IDN caracteriza a Segurança Nacional como a “condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência em paz e liberdade; assegurando a soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda coletiva de pessoas e bens e dos valores espirituais, o desenvolvimento normal das tarefas do Estado, a liberdade de ação política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas”.
GOCEDNPor seu turno, a segurança interna, de acordo com o «projeto de estratégia da segurança interna da União Europeia: “rumo a um modelo europeu de segurança“» “deve ser entendida como um conceito amplo e completo que se estende a múltiplos sectores a fim de fazer face a essas graves ameaças e a outras que tenham um impacto direto na vida, na segurança e no bem-estar dos cidadãos, incluindo as catástrofes naturais e as provocadas pelo homem, tais como os incêndios florestais, os terramotos, as inundações e as tempestades”.

No plano legal nacional, a segurança interna consiste na “atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”[1].

Portanto, este esclarecimento, efetuado no início do documento terá como finalidade primária serenar alguns ânimos que se exaltaram excessivamente em torno desta temática, estabelecendo como ponto de partida o recorte doutrinário de Segurança Nacional, em virtude do qual a Segurança Interna não perde a sua identidade, apesar da sua integração no conceito mais amplo e abrangente de Segurança Nacional. Esta esquematização advém do facto de nos dias em que correm não haver uma estanquicidade plena, mas antes “uma indissolúvel ligação entre os aspetos internos e externos da segurança”, devido à abertura das fronteiras, ou mesmo à diluição do tradicional conceito geográfico de fronteira, em suma à globalização e aos seus efeitos no plano das ameaças à segurança, e serve como pano de fundo para o Plano de Articulação Operacional entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança.

II

Seguidamente refere que além das Forças Armadas, as Forças de Segurança concorrem para consolidar Portugal no seu estatuto de produtor de segurança internacional, a par da Diplomacia e da Justiça. E, preconiza um aprofundamento da cooperação entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança em missões no combate a agressões e às ameaças transnacionais[2], através de um Plano de Articulação Operacional que contemple não só as medidas de coordenação mas também a vertente de interoperabilidade dos sistemas e equipamentos[3].

Neste âmbito o Dr. Figueiredo Lopes, no I Congresso Nacional de Segurança e Defesa, realizado em 24 e 25 de Junho de 2010 afirmou que “a inquietação em que vivemos requer a maximização de esforços e sinergias nacionais e internacionais, de forma a dar corpo a uma nova visão que permita enfrentar, com pragmatismo, a incerteza do futuro. As dimensões da segurança interna e externa precisam de ser preenchidas com uma nova abordagem que resulte da articulação entre as Forças Armadas, Forças de Serviços de Segurança e a Sociedade Civil”.

Contudo, esse combate às citadas ameaças está enquadrado, além do Código Penal, Código do Processo Penal e respetiva legislação complementar, pelas leis orgânicas das forças e serviços de segurança, pela lei de segurança interna, mas sobretudo pela lei de organização da investigação criminal (LOIC) nos termos da qual a investigação dos crimes relacionados com a maior parte desse tipo de ameaças compete à Polícia Judiciária (PJ). Só que as referências efetuadas a este serviço de segurança/órgão de polícia criminal raiam o subliminar, quase parecendo que nada tem a ver com a promoção da segurança, aliás é seguindo esta linha que alguns sectores mais fundamentalistas desta polícia defendem a fusão da GNR e da PSP numa polícia de segurança e a continuação da PJ como uma polícia de investigação criminal autónoma. Isto, num claro contraciclo daquilo que se passa na Europa, onde por uma questão de eficácia e eficiência as polícias judiciárias foram desaparecendo, sendo, nos países com sistema dual, integradas na Polícia Nacional (equivalente à PSP) e as atribuições em termos de investigação criminal repartidas entre as forças de segurança de natureza civil e de natureza militar em função da malha territorial que ocupam. Tal opção evitaria que situações como a da partilha de informação criminal prevista desde de 2000 na LOIC e que só agora vai passar à prática.

Convém a este propósito referir que ao nível da União Europeia, a estratégia de segurança interna “deve aproveitar as potenciais sinergias existentes nos domínios da cooperação policial, da gestão integrada das fronteiras e dos sistemas de justiça penal. Na verdade, estes campos de atividade no espaço europeu de liberdade, segurança e justiça são indissociáveis: a estratégia de segurança interna deve garantir que se complementem e se reforcem mutuamente”.

III

Nas GOCEDN defende-se uma abordagem integrada da segurança interna, contemplando uma dimensão horizontal, incluindo a necessidade de intervenção articulada e coordenada de forças e serviços de segurança, da proteção civil, da emergência médica e das autoridades judiciárias, bem como de entidades do sector privado, e uma dimensão vertical, incluindo os níveis internacional, nacional e local, na senda daquilo que Felipe Pathé Duarte refere num artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, em 03/10/2012.

IV

Advoga-se a integração operativa da segurança interna, através da adoção de medidas operacionais que reduzam redundâncias e aumentem a integração operacional e a resiliência do sistema, incluindo as informações, a segurança pública, a investigação criminal (será que esta referência abrange todas as forças e serviços de segurança que têm atribuições na área da investigação criminal ou apenas a PJ?), os serviços de estrangeiros e fronteiras e a proteção civil.

Alusões a estas “redundâncias” e “resiliências” podem ser encontradas nas Grandes Opções do Plano 2013, na área relativa à Segurança Interna, tal como nas Grandes Opções do Plano de 2012-2015, bem como no discurso do senhor Primeiro Ministro na Escola da Guarda em 11 de Junho de 2012 e no próprio programa do Governo. Constituem, por isso, linhas programáticas ou talvez meros indicadores que têm vindo a ser sistematicamente inseridos em diversos documentos e que carecem de materialização legal, antevendo-se alguns obstáculos difíceis de ultrapassar neste matéria.

V

Propugna uma clarificação das competências das Forças e Serviços de Segurança, pelo que o sistema de segurança interna não deve ser considerado isoladamente, mas antes integrado no sistema mais amplo e abrangente da segurança nacional, que faz apelo aos princípios da complementaridade e da interdependência entre todas as suas componentes. Propõe ainda nesta matéria uma clarificação do modelo conceptual do sistema português de segurança interna (modelo dualista ou de dupla componente policial). Aguarda-se a vinda a público dos projetos de leis orgânicas das duas forças de segurança, para se ver o que elas trazem de novo nesta matéria.

Insere-se nesta temática um trabalho de investigação publicado pelo DN em 01/10/2012, sobre os possíveis caminhos a percorrer pela segurança interna em Portugal, de acordo com o qual o Partido Social Democrata (PSD) defenderia, nessa altura, um sistema dual puro, assente:

Na fusão da Polícia Judiciária (PJ), Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e Polícia de Segurança Pública (PSP) num único corpo de polícia, uma força civil – a Polícia Nacional;
Na continuação da Guarda Nacional Republicana (GNR) como força de segurança de natureza militar, e complemento da defesa militar de República.
Na génese desta opção estará o facto de existirem forças e serviços de segurança em excesso, com graves problemas ao nível da cooperação e da articulação, devido a estarem dispersos por vários ministérios.

Contudo, o parceiro de coligação CDS teria, segundo este estudo, à época, uma visão menos radical, porque admitia:

A manutenção da PJ, na esfera de ação do Ministério da Justiça e as forças de segurança na alçada do Ministério da Administração Interna;
Um reforço da cooperação, da partilha de informação e do papel do secretário-geral de Segurança Interna.
Posteriormente, especulou-se que o CESDN visaria clarificar o modelo dual atualmente existente, para assim definir com precisão as atribuições e competências de cada componente e eliminar as redundâncias existentes, diferenciando as atribuições da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP). Como não poderia deixar de ser as reações não se fizeram esperar, dado que a mesma a ser posta em prática implicaria uma subalternização da PSP face à GNR, assunto a que nos referimos oportunamente.

Nenhuma das opções ficou claramente exposta no texto, deixando-se em aberto todas as soluções possíveis, tudo se reduzindo a um apelo à clarificação do modelo conceptual do sistema português de segurança interna.

Mas, volto a frisar, o principal problema em termos de produção de segurança interna e de investigação criminal não resulta do modelo dual, mas antes da manutenção de uma polícia de investigação criminal e de uma série de outros órgãos de polícia criminal, com reflexos em vários patamares, cujas atribuições deveriam estar integradas no elenco daquelas que são detidas pelas forças de segurança em função do respetivo dispositivo territorial.

VI

Em síntese, na vertente da Segurança Interna, as GOCEDN começam por estabelecer o recorte entre Segurança Nacional e Segurança Interna, bem como os respetivos pontos de contato e a forma de articulação.

Depois, integra um conjunto de opiniões que foram sendo defendidas e algumas das quais publicadas em artigos de imprensa sobre alguns dos problemas conhecidos da Segurança Interna em Portugal, como sejam a sua abordagem integrada, a eliminação das redundâncias e a clarificação das competências das Forças de Segurança.

Aguarda-se com elevada expetativa a discussão destas GOCEDN na Assembleia da República e as respetivas consequências no plano legal.

Manuel Ferreira dos Santos

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